09/01/2015

Fantasia ortográfica portuguesa

Posto a estudar algo de português, e a ler algo da sua histôria, e dando voltas ao atual Acordo Ortográfico, dei em fantasear sobre o que pudesse ter acontecido se, por motivos quaisquer (provavelmente políticos) os lusoescribintes tivessem mantido uma ortografia menos inovadora em relação ao tronco iberorromance. E pus-me a transcribir um excerto duma edição brasileira das Histórias de Heródoto (Livro IV), achando que da uma aparência muito similar ao galego (especialmente à ortografia lusista, logicamente), mesmo tendo como referência o espanhol para fazer os seguintes cambios (que não forçam a pronúncia portuguesa, suposta invariável):
  • -m > -n;
  • opção pelas ñ, ll espanholas em vez das nh, lh provençais;
  • ditongos: ou > oei > e;
  • conjunção e escrita como em espanhol, y;
  • acentuação paralela à espanhola;
  • eliminação de vogais epentéticas (eia > ea; oferenda > ofrenda, etc.) e reversão de dissimilações (eu > eo, etc.);
  • reversão da ortografia da nasalidade tónica a uma mais etimológica (-ão > -ón, etc.);
  • qu- > cu- diante de a, o, como em espanhol e galego;
  • eliminacão do acento grave (à), substituído pelo agudo;
  • reversão a sc- etimológica em vez de c-;
  • sufixo -idade > -idad;
  • pequenas alterações nas vogais fechadas.
O texto ficou assim (com licença do meu professor de Português e dos irmãos lusofalantes):
Nen os Scitas, nen cualquer otro povo dessas regións falan dos Hiperbóreos a non ser os Issedons os cuais, a meu ver, tambén nada dizen. Pois do contrario os Scitas (que por informaçóns deles nos falaran sobre os Arimaspes) dir-nos-ían tambén cualquer coisa. Entretanto, Hesíodo a eles alude, o mesmo fazendo Homero nos Epígonos — a acreditar-se seja ele o verdadero autor desse poema.
Os Delios falan mais detalladamente sobre o referido povo. Contan que as ofrendas dos Hiperbóreos lles viñan envoltas en palla de trigo. Passando pelas mans dos Scitas y transmitidas de povo a povo, essas ofrendas alcançavan terras distantes, chegando até o Adriático, a ocidente, de onde eran enviadas para o sul. Os Dodoneos eran os primeros Gregos a recebe-las. Dali descían até o golfo Malíaco, de onde passavan para a Eubea, y, seguindo de uma cidad para otra, ían ter a Cariste. Dalí, sen tocar en Andros, os Caristeos levavan-nas para Tenos, de onde os Teneos as transportavan para Delos. A dar crédito aos Delios, era assín que essas ofrendas chegavan á sua illa. Acrescentan eles que, nos primeros tempos, os Hiperbóreos enviavan as ofrendas por intermedio de duas virgens — Hiperoquea y Laodicea; que, para segurança dessas jovens, os Hiperbóreos fazían-nas acompañar por cinco cidadáns, a que atualmente se renden grandes homenagens en Delos sob o nome de Pérferos; mas que, os Hiperbóreos, non os vendo regressar y ante a desagradável possibilidad de viren a perder muitos otros de seus delegados nessa missón, resolveran, depois de certo tempo, levar as ofrendas até as fronteras, envoltas en palla de trigo, de onde eran enviadas aos viziños mais próximos, a quen solicitavan remete-las a otra naçón. Dessa manera, as ofrendas ían passando, segundo os Delios, de país a país, até chegaren ao seu punto de destino.
Noté, entre as mulleres da Tracia y da Peonia, un curioso costume con relaçón ás coisas sagradas. Elas jamais sacrifican a Diana real sen fazeren uso da palla de trigo. Es como, segundo dizen, elas proceden:
Os jovens delios de ambos os sexos cortan o cabelo en honra das virgens hiperbóreas que morreran en Delos. As moças cumpren esse dever antes do casamento. Tomando de un cacho dos cabelos, enrolan-no nun fuso y colocan-no no túmulo das virgens, no recinto consagrado a Diana, á esquerda de quen entra, á sombra de uma olivera. Os jovens delios encrespan os cabelos con o auxilio de gravetos y colocan-nos no mesmo local.

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